sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Tempo, vida ou outra coisa.


Abriu os olhos, olhou ao redor, estranhou aquela luz entrando no quarto. Geralmente seu quarto era mais escuro e aconchegante, mesmo pela manhã. Esquecera-se de fechar a cortina, percebeu. Levantou-se e, após fazer o que era de costume quando pessoas normais acordam, ligou o computador. O que também era de costume para ela. Mas ligou o computador e naquele dia, logo naquele dia, o computador não funcionou. Resolveu então remexer suas coisas e acabou encontrando seu diário de cinco anos atrás. Talvez tivesse mesmo que encontrar aquilo. Sentou-se e começou a ler sobre um tempo em que não tinha tantas coisas que veio a ter depois. E quase se sentiu aliviada, como se fosse a mesma menina de cinco anos atrás. Sem todas aquelas recordações e perdas que tinha ao ler aquelas páginas antigas. Mas esse sentimento logo deu lugar a outro. Dentro do diário estava uma carta de uma amiga. E ler aquelas palavras a fez ver tantas coisas e ficou a pensar na súplica que sua amiga fizera ao escrever aquilo. “Como eu não conseguia ser melhor e cuidar melhor de uma amizade?” 

Tinha 14 anos. Apenas 14 anos. E quando a gente tem 14 anos acha que já tem maturidade, que não vai aprender mais nada, que já sabe tudo, que quando chegar seu primeiro amor vai ser aquele verdadeiro, que não vai te machucar nem te deixar. Quando a gente tem 14 anos a gente sente aquele sentimento que ela sentiu ao ler as próprias palavras, escritas cinco anos atrás. Ficou feliz por ter percebido que a crise exposta naquela carta fora superada, mas ficou muito mais triste por perceber, talvez pela primeira vez, como havia sido descuidada com aquela amizade. Amizade que hoje, cinco anos depois, está mudada, diferente, por causa da vida mesmo, porque a vida leva algumas pessoas para longe, inevitavelmente. Mas se perguntou se durante o tempo em que aquela amizade durou todas as mágoas causadas por ela e todas as suas falhas ficaram de lado e foram perdoadas pela amiga. Gostaria que a resposta fosse sim. Teve vontade de procurar a amiga, agora distante, e dizer-lhe que reencontrou a carta, que mesmo tanto tempo depois, sente muito. Que sente saudades, que espera que esteja bem e que tenha encontrado uma amiga melhor para ela. Gostaria de dizer tudo isso, mas sentiu-se tão envergonhada que preferiu ficar calada.

Sentiu-se mais envergonhada ainda ao perceber que mesmo hoje, cinco anos depois, possui algumas características relatadas pela amiga naquela carta. Se fossem características boas, pelo menos. Falhas. Falhas presentes ainda hoje. Sentiu-se aliviada por conseguir reconhecer isso e decidida a concertar. É o mínimo que pode fazer, por uma outra amizade, já que não pôde fazer por aquela que talvez nem exista mais. E talvez por isso tivesse mesmo que achar aquele diário. E ler aquela carta. Para enxergar coisas que não conseguiria enxergar sem ler aquilo. E sua amiga, ao escrever aquilo, mal sabia que estaria ajudando-a cinco anos depois. Talvez tivesse mesmo que ver isso em si mesma naquela tarde. Para cuidar do que ainda pode, como prometera. E isso é mesmo encantador na vida, não?

Essa é uma das dádivas do tempo. Ensina-nos e nos ajuda a crescer e a amadurecer. Tempo ou vida? O nome não importa. O que importa nesse momento para ela é não ser mais indiferente com uma verdadeira amiga, não pensar, nunca mais, apenas em si própria, embora reconheça que esse defeito já não é tão presente. Já sabe escutar o outro, pelo menos um pouquinho. Não ousa dizer que com 19 anos melhorou todos os seus defeitos. É por isso, por essa maturidade e aprendizado que sente medo, hoje.  Porque sabe que sempre há algo para aprender. E que, geralmente, aprendizados chegam com perdas... Perdas que doem. Medo também porque sabe que algumas amizades chegam ao fim, mesmo quando parecem eternas. Não só amizades. Amores. Vidas.

E diante de tudo isso que sabe agora e que não sabia quando era apenas uma menina há cinco anos, se assusta. Se assusta também ao pensar em tudo que virá a saber daqui há cinco anos, ao ler essas palavras, quem sabe.

Que Deus a ajude a cuidar deLa. Que o tempo seja generoso.
Tempo ou vida, quem sabe.

                                                                                                  Lívia Gurgel

2 comentários:

  1. Tu me deixou de olhos embaçados,mas de uma certa forma alegre, por esse texto tão terno, sentido e admirável.
    Tem coisas difíceis de serem assumidas, ditas e anunciadas e que te deixam triste, mas te confesso que eu, tu e outros mais que aprendem um pouco de ti, contigo, estamos muito contentes com isso.
    Um beijão no coração.

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  2. Livia,

    Voltou com um texto lindo! Sua ausência deixou marcas.

    Pois bem, o tempo é complicado. Que ele seja generoso com todos nós, porque cada vez mais está difícil viver num mundo onde os valores estão invertidos e as pessoas pouco se importam com aquilo que, realmente tem valor.

    Um grande beijo,

    Pedro Menuchelli.

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